PASSADO A LIMPO
Parecer reconhece nacionalidade a filhos de brasileiros nascidos no
exterior
4 de junho de 2015, 8h00
Em 1921 o Ministro
da Justiça suscitou opinião do Consultor-Geral da República a propósito do
reconhecimento de nacionalidade brasileira a filhos de brasileiros, nascidos no
estrangeiro. O pai dos interessados nascera na Alemanha, porém, de acordo com o
que se lê no parecer, viera para o Brasil, antes da proclamação da República.
Assim, o pai fora alcançado pelo Decreto da Grande Naturalização, que tornara
brasileiros os estrangeiros que estivessem no Brasil em 15 de novembro de 1889,
a menos que se manifestassem de modo contrário.
O parecer é de simplicidade surpreendente, com base na legislação da
época e na doutrina então predominante. Epitácio Pessoa, Ubaldino do Amaral e
Amaro Cavalcanti foram invocados, como autores, como constituintes de 1891 e
como ministros do Supremo Tribunal Federal que foram. O parecer que segue é
importante passo na construção de nossa doutrina aplicada em temas de direito
constitucional.
Gabinete do
Consultor-Geral da República — Rio de Janeiro, 20 de dezembro de 1921
—Excelentíssimo Senhor Ministro de Estado da Justiça e Negócios Interiores —
Com o Ofício nº
1.866, de 10 do corrente, transmitiu-me Vossa Excelência, para dar parecer, com
o respectivo processo, o requerimento em que Elisabeth Maria Hoepfener e Hans
Dietrich Hoepfner filhos legítimos de Frederico Hoepfner, já falecido, pedem
sejam declarados brasileiros.
Trata-se de
indivíduos que se pretendem brasileiros por aplicação do art. 69, nº 3, da
Constituição, isto é, nascidos no estrangeiro de pais brasileiros, vindo estabelecer
residência no Brasil. Que os requerentes nasceram no estrangeiro, na Alemanha,
respectivamente, em 13 de outubro de 1901 e 30 de dezembro de 1904, está dos
papéis provado com certidões respectivas; igualmente que têm residência nesta
Cidade, prova-o a certidão policial de residência junta ao processo.
Resta o
reconhecimento da nacionalidade do pai, nascido na Alemanha, mas domiciliado e
estabelecido no Brasil desde alguns anos antes da proclamação da República. Do
estudo dos papéis, Senhor Ministro, se apura, a meu ver, que o requerimento não
pode deixar de ser deferido. O primeiro despacho do ilustre antecessor de Vossa
Excelência, muito juridicamente negando a expedição de título declaratório de
nacionalidade a Frederico Hoepfner, por haver sido requerido por sua viúva e,
assim, depois de sua morte, reconhece já que ele é brasileiro.
De fato, nesse
despacho, de 11 de julho último, se lê textualmente: “pelos documentos
oferecidos se verifica que o dito Frederico Hoepfner estava nas condições
exigidas para obter aquele título”.
Ora, é evidente
que, se Hoepfener "estava nas condições de obter o título declaratório de
nacionalidade brasileira" se o houvesse requerido, ele mesmo, em vida,
como ainda o declarou o segundo despacho, de 25 de agosto, é porque ele já
havia adquirido, por força da lei, essa nacionalidade.
O título
declaratório não outorga a nacionalidade, apenas certifica que ela havia sido
adquirida por aquele que o requer. Esse título não é mais do que um documento
comprobatório de uma situação jurídica anterior, preexistente. Ele não dá a
nacionalidade, comprova apenas que o interessado a havia adquirido. É esse um
princípio pacífico de jurisprudência por mim sempre defendido em diversos
trabalhos e claramente enunciado em brilhantes pareceres dos eminentes
jurisconsultos Epitácio Pessoa, Ubaldino do Amaral e Amaro Cavalcanti, todos
colaboradores da Constituição, como membros da Constituinte, e seus atos
interpretam-se por muitos anos, como Ministros que foram do Supremo Tribunal
Federal. Esses pareceres se acham impressos no vol. 3 da Revista Jurídica,
págs. 211 e seguintes.
Perguntado se
"o Decreto nº 6.948, de 14 de maio de 1908, regulando a expedição do
título declaratório de cidadão brasileiro, criou uma condição necessária para a
efetividade da naturalização outorgada pelo Decreto nº 58-A, de 14 de dezembro
de 1889, e confirmada pelo art. 69, § 49, da Constituição", (como se vê a
questão é absolutamente a mesma que se ventila no presente caso), o egrégio
Senhor Amaro Cavalcanti respondeu: "Trata-se de simples ato regulamentar,
especificando as condições, segundo as quais o estrangeiro nacionalizado, que
não tiver título de eleitor ou de nomeação para cargo público, poderá
(facultativo) obter título' declaratório de cidadão brasileiro. "É, como
se vê, o título declaratório, mas não adquiritivo, da qualidade de cidadão
brasileiro. A qualidade de brasileiro não lhe vem do título declaratório, mas
de já tê-la por força da Constituição e das leis anteriores" (loc.
cit.,pág. 213).
O saudoso Ubaldino
do Amaral explicou: "A naturalização tácita, admitida em princípio,
estabelecida em lei do governo da revolução, foi consagrada pela Constituição
da República. Os direitos de cidadão brasileiro, uma vez adquiridos na forma da
lei, pelo estrangeiro que se achasse no Brasil em dia determinado, e que em
certo prazo não manifestasse o ânimo de conservar a nacionalidade de origem, só
se perde por naturalização em país estrangeiro, ou por aceitação de emprego ou
pensão de governo estrangeiro, sem licença do Poder Executivo Federal
(Constituição, art. 71, § 2"). As leis posteriores não podem impor novas
condições às naturalizações tácitas; nem me parece que pretendam fazê-lo"
(Loc. cit. pág. 215).
E o Senhor Epitácio
Pessoa afirmou: "Assim todos os estrangeiros presentes no Brasil a 15 de
novembro de 1889, que até 24 de agosto de 1891 não fizeram a declaração de
conservar a nacionalidade de origem, tornaram-se cidadãos brasileiros. Essa
qualidade só lhes pode ser recusada, provando-se que fizeram a declaração (Acórdão
do Sup. Trib. Federal, nº 160, de 1 de setembro de 1906)."
E mais adiante:
"O Decreto nº 58-A, de 1889, considerou como cidadãos brasileiros os
estrangeiros em certas condições. A Constituição foi ainda mais positiva, se é
possível: "São cidadãos brasileiros", eis a sua linguagem. Ora,
preenchidas as condições da lei, os estrangeiros adquiriram desde esse momento
e ipso facto a nacionalidade do Brasil. Tornou-se isso um fato consumado,
perfeito. Como admitir agora que o Poder Público subordine a novas condições a
efetividade desse ato? Seria ofender a Constituição que, independente delas,
outorgou o direito. Seria dizer: Não são cidadãos brasileiros — os mesmos que a
Constituição declarou: são cidadãos brasileiros. O título
declaratório é — por conseguinte um meio de comprovar a nova nacionalidade
(Rodrigo Octavio, pág. 38) e não uma condição a mais para a efetividade da
naturalização prometida, concedida e adquirida no regime de uma legislação que
a não tornava dependente de tal formalidade.
É inegável, pois,
que amparado na autoridade dos jurisconsultos citados, cujo parecer reflete a
jurisprudência pacífica do Supremo Tribunal Federal, a pretensão dos
requerentes não pode deixar de ser acolhida.
Reconhecido já, por
despachos ministeriais referidos, proferidos de acordo com os pareceres da
Diretoria competente deste Ministério, que, em face dos documentos exibidos, o
pai dos requerentes “estava nas condições de obter o título declaratório de
cidadão brasileiro”, está implicitamente reconhecido que o referido pai dos
requerentes era cidadão brasileiro, por isso que essa qualidade é outorgada,
por força de imperativa disposição constitucional, não pela expedição do título
declaratório, mas, sim, porque o interessado esteja nas condições de obter tal
título.
Em tais termos,
brasileiro o pai dos requerentes, ao tempo de seu nascimento, não é possível
deixar de se lhes reconhecer a qualidade de brasileiros, se, "nascidos no
estrangeiro, vieram residir no Brasil”.
Em tais condições,
resumindo, desde que do processo se prova que o pai dos requerentes, alemão de
origem, a) estava residindo no Brasil aos 15 de novembro de 1889, pois era aqui
estabelecido como comerciante desde muitos anos antes (justificação); b) não
fez declaração de querer conservar a nacionalidade de origem (certidão da
Legação da Alemanha); desde que a Constituição dispõe, taxativamente, no artigo
69: São cidadãos brasileiros: § 4º Os estrangeiros que achando-se no Brasil aos
15 de novembro de 1889, não declararem, dentro em seis meses depois de entrar
em vigor a Constituição, o ânimo de conservar a nacionalidade de origem, não é
possível deixar de reconhecer que Frederico Hoepfner, já falecido, foi cidadão
brasileiro. Em relação aos requerentes: desde que, nascidos no estrangeiro, a)
seu pai era brasileiro, b) vieram domiciliar-se no Brasil, e desde que a
Constituição no mesmo art. 69 dispõe taxativamente: São cidadãos brasileiros: §
3º Os filhos de pai brasileiro, nascidos em país estrangeiro, se estabelecerem
domicílio na República", não é possível, do mesmo modo, deixar de
reconhecer que são ambos brasileiros.
No último
requerimento, pedem os requerentes, não que se lhes espeça título declaratório,
que a lei não autoriza na espécie, porque eles não são naturalizados, mas que
por despacho, se declare que é sua nacionalidade, sou de parecer que o pedido
não pode ser negado, por ser este o meio único que têm indivíduos nas condições
dos requerentes de fazer a prova de sua nacionalidade.
Aliás, diversos
despachos semelhantes já têm sido proferidos por este Ministério.
Acontece, porém,
que os documentos estrangeiros juntos aos requerimentos, notadamente as
certidões de nascimento dos requerentes, não se acham legalizados pelo
consulado brasileiro e isso é formalidade indispensável para que sejam
admitidos entre nós como elementos probatórios.
E assim, opinando
pelo deferimento do pedido subordino a decisão final do caso à juntada dos
referidos documentos devidamente legalizados.
Submetendo este
parecer ao esclarecido espírito de Vossa Excelência, devolvo o processo e tenho
a honra de renovar a Vossa Excelência meus protestos de subida estima e mui
distinta consideração.
Rodrigo Octavio
Arnaldo Sampaio de Moraes Godoy é
livre-docente em Teoria Geral do Estado pela Faculdade de Direito da USP,
doutor e mestre em Filosofia do Direito e do Estado pela PUC-SP, professor e
pesquisador visitante na Universidade da California (Berkeley) e no Instituto
Max-Planck de História do Direito Europeu (Frankfurt).
(Fonte) Revista Consultor Jurídico, 4 de junho de
2015, 8h00. ANTONIO HONORIO VIEIRA,
Contador CRC/ES, Pós Graduado em Perícia Civil e Trabalhista, Consultor
Especializado em Vistos para Estrangeiros.
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